quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O "ghetto"

Não tenho por hábito transcrever artigos para o blog, mas julgo que este diz tudo. Ainda por cima com uma precisão impressionante.

«Uma escola belga, há poucos meses, obrigou os alunos que fumam a usarem uma badge distintiva, qual estrela amarela de famigerada memória. E há umas semanas, num engarrafamento nocturno em Bruxelas, o chauffeur do táxi em que eu seguia pediu licença para fumar um cigarro, acrescentando que eu, único passageiro, também podia fazê-lo, mas era preciso ter muito cuidado com a fiscalização, porque a multa era pesada!Os fumadores estão, na sua esmagadora maioria, perfeitamente dispostos a respeitar os não fumadores, desde que a inversa seja verdadeira. De há muito que se disciplinaram, habituando-se a não fumar nos transportes, em serviços de atendimento ao público, em restaurantes fora das zonas reservadas, etc., etc. Não lhes vale de nada. O torniquete fundamentalista fica cada vez mais apertado. Criam-se ghettos para os fumadores ou, como sucede nalguns aeroportos, autênticas câmaras de gás... A quem possa interessar recorda-se que o conceito de "tabagismo passivo" foi formulado pela primeira vez na Alemanha hitleriana (cf. Imre von der Heydt, Une Cigarrete? Défense Lucide d'une Passion, Actes Sud, p. 46).O tabaco faz parte de todas as formas da cultura dos últimos quatro séculos. Em livros, em filmes, em peças de teatro, em quadros, em fotografias... Muita gente lhe deve (e lhe devemos todos) inúmeras horas de criação exaltante. O mundo recebeu do tabaco benefícios sem conta. E, nessa medida, o tabaco até faz bem, pelo menos à saúde psíquica. Fumar ou não fumar, desde que o facto não incomode terceiros, diz apenas respeito ao exercício da liberdade individual. Entretanto os ritmos do trabalho diário passarão a tornar-se problemáticos porque uma gente degenerada e bisonha vem dar umas puxas no seu cigarrinho para a porta das empresas várias vezes por dia, enquanto a produtividade se lixa. E se não vierem fumar para a rua, a produtividade continuará a ser prejudicada.Antevêem-se chorudos negócios com a desvelada assistência psicológica e medicamentosa a quem quiser deixar de fumar. Profissionais de vária competência serão convocados para enquadrarem ternurentamente os que tanto anseiam por se verem livres do funesto vício. As entidades patronais preferem pagar isso a aumentar os ordenados. Nas universidades acabará por haver cursos e licenciaturas em antitabagismo, com manifesta vantagem para a I&D no sector da nicotina. Outras sinistras repressões se desenham no horizonte e o politicamente correcto há-de sustentá-las encarniçadamente.Serão banidos o bife, os enchidos, o queijo, a manteiga, o sal, o café e até o pão (por causa dos hidratos de carbono), sob o mesmíssimo pretexto de que tudo isso faz mal à saúde. Quando não se puderem imputar ao tabaco as doenças cardiovasculares e o cancro do pulmão, as estatísticas serão manipuladas para se justificar mais uma interdição qualquer. E até nem se percebe que a ASAE não tenha já proibido a Coca-Cola cuja fórmula é secreta, o que prejudica a rastreabilidade.Não faltará quem tente instaurar uma nova "lei seca" na União Europeia. Tal como aconteceu com o tabaco, começa-se com a rotulagem das bebidas e depois vem o resto. Lá se vai a bela pinga às refeições! Em nome do bem-estar animal, há- -de acabar-se com a caça, com o foie- -gras, com a bela sardinha assada e até com os franguinhos de aviário, por ser inimaginável a perdiz com o chumbo no papo, o ganso com hipertrofia provocada no fígado, o peixinho a contorcer-se nas vascas da asfixia ao sair da água, o pintainho fofo e penugento destinado à electrocussão...Para evitar o aumento de CO2 na atmosfera, não tardarão a ser reduzidos os transportes de fruta e de flores por avião, nem a ser dificultado o turismo do Norte em direcção aos países do Sul. O fundamentalismo odeia os mais simples prazeres da vida. Só pensa a vida em termos de vícios, ghettos e repressão. É ele que polui o mundo.Contra esta jihad, afirmemos os benefícios do tabaco. Por muito mal que faça, o certo é que a mortalidade infantil nunca foi tão baixa e a duração média da vida humana aumentou tanto que até põe os mais sérios problemas à Segurança Social...»

Vasco Graça Moura no DN de hoje

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