segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Viva a crise

Há uma palavra recorrente no vocabulário português: crise. Não há semana, mês ou ano em que esta palavra não seja utilizada, analisada e escalpelizada até ao mais ínfimo pormenor.

A verdade é que vivemos em crise desde que me lembro. Nunca houve uma altura (excepto durante a Expo e o Euro) em que Portugal acordasse e se sentisse feliz com ele próprio, sem a tão afamada crise a espreitar-lhe por cima do ombro.

Ora, sendo isto assim, das duas uma: ou vivemos mesmo em crise há mais de 20 anos, ou então não passamos de uns exagerados, que recorrem à crise por falta de assunto.

Se vivemos em crise há mais de 20 anos é grave. Porque de ano para ano a crise agrava-se. Se em 2005 estávamos com 6,83% de défice, parece que agora estamos bem pior. Mas em 2005, a tal crise que atravessávamos já era o fim do mundo. E esta crise? É o fim do mundo em versão alargada? Ou o mundo já acabou e mesmo assim conseguimos estragar tudo outra vez?

Se, por outro lado, a crise se utiliza por falta de assunto, é igualmente grave. Mas, pensando bem, faz parte de nós, portugueses. Mal seria dos portugueses se não estivessem tristes, não lhes doessem os ossos todos e não atravessassem a maior crise de que se lembram. Mal seria dos portugueses se não se queixassem compulsivamente e (por uma vez) arregaçassem as mangas e enfrentassem os seus problemas.
Se não houvesse crise, de que é que nos queixávamos? De que é que conversávamos com o senhor do barbeiro quando se esgotasse o tema do futebol?

Portanto, a crise que temos há mais de 20 anos não é mais do que um bom assunto de conversa. É esta a verdade nua e crua. Os portugueses têm de estar permanentemente a atravessar uma qualquer crise e a crise que atravessam tem de ser sempre a pior de sempre. Para poderem especular, fomentar a comunicação social e dar emprego aos "Josés Gomes Ferreiras" deste país.
Para poderem escrever, ter blogues e discussões acaloradas.

A crise não é mais do que uma necessidade de socialização dos portugueses. É através dela que nos sentimos intelectualmente reconhecidos e socialmente aceites, porque quem não tem uma opinião sobre a crise não passa de um ignorante.

Mas, por outro lado, é esta mesma crise que nos diminui os rendimentos e nos aumenta os encargos.

Mas isso não passa do reverso da medalha.

Viva a crise e a socialização que ela nos permite!